Você

Você quebrou meus ossos

Você tirou a luz

Você destruiu minha sanidade

Você arrancou minha fé

Você tirou meus dentes

Você arrancou meus olhos

Você me levou ao inferno e me deixou lá

Você me tirou Deus

Você me matou.

I was walking around

Querido Diário,

É… Há quanto tempo não nos falamos? Em minha defesa (não tenho Chapolim pra isso), o Brasil piorou, a festa acabou, o povo sumiu e José, desculpa, mas José se fudeu. Nós Josés. O resto tá tudo esperando o Carnaval.

Muito mudou. Eu até listaria, mas não quero ser entediante. Aliás, vou contar só umazinha, pra não dizer que vim aqui à toa. Outro dia aconteceu uma conversa no WhatsApp, que achei bem significativa, apesar de entediante (você vai ver, não tem como fugir). Puxei assunto com alguém que tenho pouco hábito de falar. Não porque eu seja simpática, mas somos, à medida do possível, próximos. A pessoa estava ocupada. Ora veja, aprenda com a tia aqui: ocupado todo mundo tá (menos o presidente), mas se ele não diz algo próximo a “já falo com você” ou “Se eu demorar, não sai daí, não…”, é porque ele estará ocupado pra sempre. Quando for assim, lembre da nossa amiga eletrônica do banco, que sempre nos diz: “Ok, entendi”. Parô ali, gata. Ocupado? “Ok, entendi”. Mas…Fiz uma piadinha (sou dessas) para sair de fininho, até pra ser educadinha… e ele, muito simpático e solicito, me mandou um áudio sorridente-entre-aspas perguntando SE. Eu. Estava. Entediada. (pausa dramática) Ora, ora, ora. Imagino meu humor de privada, que provoco esse tipo de reação de merda.

Às vezes a gente cria frases que a gente acha que as pessoas poderiam falar pra gente, como que eu fiz ali em cima. Mas, muitas vezes já me peguei em situações que escolhi com cuidado cada palavra, usando o tom mais suave possível, e se sentiram agredidas. Acontece. Mas, tem coisa que não é de bom tom, né, mermo?

Probably this song is about you

Hoje quis te escrever. Nunca consegui, porque durante todo esse tempo eu não sabia quem de você leria. Quis te escrever declarações de amor quando sentia, porque quando eu não sentia, eu dizia.

Não sei quem você é. Sei de pequenos você, que talvez sejam de verdade. Talvez eu tenha te inventado pra mim do meu jeito. Talvez você tenha se reinventado pra mim do seu jeito. E, finalmente, talvez, quem sabe, talvez tenhamos nos inventado para nós, para sermos um pouquinho mais felizes.

A solidão era nossa maior companheira. Eu com a minha. Você com a sua. E eu sabia. Sabia dos nossos eus tão tristes, tão abatidos e descoloridos. Eu sabia que precisávamos de um sorriso, de um querer bem e sentir o gosto. E eu também sabia que toda solidão que une, irremediavelmente vem com um prazo de validade. Você também sabia. E, talvez, quem sabe, talvez não precisássemos nos descobrir do jeito que meu coração gostaria, porque a receita eu já conhecia.

Tenho um texto famoso que diz que meu coração é escrito a lápis. Até é. Mas, hoje vou aonde o coração quer ir e não me limito, não me ouço. Não escrevo e apago nele quantas vezes eu quiser. Ou alguém fica. Ou vai embora. Ou estou feliz. Ou estou triste. Ou dá certo. Ou dá errado. É uma desordem danada. Eu fico xôxa, capenga, manca, anêmica, frágil, inconsistente e minha terapeuta tá rica.

E não pense que não sei que a sua também.

Adoro a frase “Ainda bem que a gente tem a gente”. Nunca te disse, mas já quis. Adoro fazer declarações lindas de amor. Nunca te fiz, mas já quis. Não gosto de despedidas. Já te fiz várias, mas até hoje não cumpri. Meu coração é foda. Desobediente, malcriado. Eu não falo mais, não dou mais conselhos, quer ficar aí, fica. Uma hora ele vai entender que está batendo sozinho. E volta pra casa.

Quem sabe, talvez, quem sabe.

Don´t you? Don´t you? Don´t you?

Casinha branca

Querido Diário #62

Ora, meu querido, há alguns dias pedi sugestões de temas para que, quem sabe, engatilhasse um processo criativo e eu pudesse exercitar a escrita.

A última sugestão veio de uma querida ex-aluna, que me escreveu exatamente assim: “gostaria de ler um texto sobre aceitar o ciclo, de que as coisas têm seu fim.”. Naquele momento lembrei de um texto antigo, que acredito se encaixar ao tema. Ora, não me julgue, sei que a ideia é criar e exercitar, mas decidi dar uma pausa no meu objetivo e postar novamente um texto, que ao longo desses anos as pessoas ainda me escrevem pedindo para enviá-los.

Que fique registrado que eu também tenho que procurá-lo, mas a minha vantagem é que jamais esquecerei o título. “Casinha branca” é uma música de um compositor chamado Gilson. É uma música que me emociona profundamente. É provável que eu tenha ouvido quando criança a primeira vez, mas, de alguma forma ela me acompanha todos esses anos.

Aproveito para agradecer aos queridos que participaram dessa Semana Criativa, e hoje, em especial, à Anna Krissia, que além da participação, pode ter ajudado àqueles que precisavam ler palavras que foram escritas há tempos, num dia como hoje.


Às vezes você constrói uma casa. Tudo pensado com carinho. Cada cômodo, cada mobília… Você quer sua casa aconchegante, quer receber as pessoas que ama, quer ser feliz.

Com o tempo você vai percebendo que a casa é quente. Percebe que os móveis trazem desconforto por causa do calor… O fogão não está muito bom… Ou a comida fica crua ou queima. Com o tempo aquela casa se torna um pesadelo… Mas é a SUA casa. A casa que você levou tempos para construir… Então tudo é uma questão de paciência. Você compra um ar-condicionado, reforça as telhas, faz uma piscina. Todos os dias você cozinha na esperança de desta vez vai dar certo…se já deu uma vez, por que não vai dar de novo? Mas não dá…ela queima de novo ou ficou crua de novo. Você não entende por que o ar-condicionado não funciona direito. Talvez seja a instalação mal feita. Talvez seja defeito de fábrica… Mas você espera. Vai ver o dia estava muito quente.

Com o tempo a sua casa só te dá tristeza. Mas é a SUA casa. Você não quer vender… Você construiu com tanto carinho… Vai ter um jeito. O tempo vai melhorar. Você vive cada dia… Não dorme, não tem mais paz. Mas você espera, porque o tempo vai melhorar. A comida você vai acertar. Deixa o carpete, porque por mais que 90% dos dias sejam quentes, vai chegar pelo menos um dia de frio.

Você espera o frio. Você espera o tempo da comida. Você pensa em mudar… Você pensa em vender… Mas é a SUA casa. Todo trabalho, todo esforço… Não é justo. Você tem pena de se desfazer do que construiu. E você já se esforçou tanto… Você gastou tudo que tinha. Você tenta todos os dias, mas aquela casa não te faz mais feliz. Não é mais aconchegante. Não parece mais com você. Por quê? Você fez de tudo… Colocar à venda? Melhor esperar alguém que se interesse. Você não pode deixar tudo para trás… São suas esperanças… sua casa…sua vida.

Um dia você acorda suada, com fome e doente.
Escuta…Vai embora…Vai embora! Não adianta… Tudo que você poderia fazer, você já fez. Não espere o tempo melhorar. Não espere a casa voltar ao que era…Você já tentou… Talvez por falta de sorte… Não importa. Vai embora…Não fique com pena do dinheiro que gastou. Não fique com pena das noites sem dormir. Não lamente todo esforço. Vai embora! Mesmo que não tenha para onde ir. Não tente mudar os móveis de lugar. Não tente consertar o que quebrou. Não pense mais no que você pode ter feito de errado… Vai embora! Vai embora agora! Não leve nada com você, não olhe para trás…saiba desistir do que te faz infeliz.

Pessoas vão dizer que você não se esforçou.
Vão dizer que poderia ter tentado mais.
Vão dizer que a culpa é sua, porque não ouviu quem entendia mais que você.
Vão dizer que a culpa é sua, porque você é teimosa.
Vão dizer que a culpa é sua, porque você tinha que ter feito diferente.

Algumas pessoas vão te apoiar, mas nenhuma vai te oferecer abrigo.
Outras não vão saber por onde você anda.
Muitas não vão saber o que te dizer.

Só você pode se ajudar.
Só você sabe o que é melhor para sua vida.
Só você sabe de suas dores.

E só Deus vai te dar forças para começar tudo de novo.

05/03/2007

Se tiver curiosidade de ouvir a música, o link leva ao Spotify.

Quarentena de quarenteners é tudo igual my ass

Querido Diário #61

Ora, meu querido (um dia vou te dar um nome, ok?), não estou separando o joio do trigo. Existem os que fazem a quarentena e os que não fazem. Até aí todo mundo concorda… menos os que não fazem, porque, né? Só estão indo ali rapidinho fazer um negocinho rapidão. Mas, mesmo nós, que estamos há todos esses meses em casa, gastando com serviços mais caros para não sairmos, e se virando nos 30 para tornar nosso lar em local de trabalho, lazer e descanso, há casos e casos.

Graças a Deus Marina está mais independente, mas a casa não é autolimpante. E minha filha adolescente não é um caso raro de imprestabilidade doméstica. É uma mobília que tenho que mandar sair do lugar. Como também não sou nenhuma Monica Geller, tem dia, outro dia e outro dia que não tô afim. Uma hora eu arrumo, outra hora eu lavo, passar jamais. Já falei aqui que ela detesta o quarto dela. Deve ser aquela teoria fofa de ser a separação simbólica da mãe. A verdade é que é um quarto cheio de bagunça acumulada, que eu poderia fazer o quê? Um quarto de jogos, uma academia (Tô imitando filmes americanos) ou, quem sabe, uma biblioteca pra mim. OU alugar um apartamento bem mais barato de um quarto só, mas a princesa diz que preciiiiisaaaaa do espaço delaaaaa. Ah, gente. Ela monopoliza a sala, e eu me recolho à insignificância do meu quarto. E nem falei do banheiro, que com certeza tem um dispositivo que na hora que eu entro, toca lá na sala, porque Marina corre jurando que precisa muito estar comigo ali naquele exato momento. NÃO IMPORTA o que vou fazer lá. Você aí achando que é seu filho pequeno. Né, não. quando penso que estou tomando um banho… eu, meus pensamentos e o barulho lindo da água, minha paz é estuprada com alguma urgência, dessas para puxar assunto que não interessa. E falei da gata? Ela também adora o quentinho do vapor. Quando saio do banho, ela está lindamente deitada no tapetinho e tenho que botar os pés molhados no piso frio, para não incomodar a outra princesa.

Home Office? Detesto. Se você é funcionário público, tá me entendendo. Se trabalha com educação, tá querendo me dar um abraço, né, minha filha?

E quem tem convivido com você todos esses dias? É seu marido? Sua esposa? Esse estresse todo pode afetar o relacionamento ou não… Mas, sexo vocês têm, né mesmo? No melhor dos cenários (mesmo com bagunça de criança, Home Office e tudo mais), há divisão de tarefas. Veja bem: na melhor das hipóteses, porque a gente sabe que há uma forte possibilidade de você ter um filhinho da mamãe, que não faz porra nenhuma, e ainda reclama. Mas, voltemos à melhor das hipóteses: trocam ideias, dividem problemas, procuram soluções. E sexo. têm… vocês têm.

Eu bebo sozinha, penso sozinha e adivinha o que mais faço sozinha? Como uma comida esquisitinha que não sei fazer (minha filha também é refém da comida esquisitinha, mas agora estou falando de mim… não me tirem a paz do banheiro também), falo sozinha, assisto tv sozinha, acaba um filme, quero comentar, mas cadê? Olho na internet: A, tá trabalhando; B, tá cansado; C, tá dormindo; D, não entendeu o que falei e E, não respondeu. Pode ser que eu seja chata também. Há uma forte possibilidade. Também não sou de dar muito assunto a quem tem assuntos que seja, sei lá, essa quarentena é horrível.

Vocês ficam aí pensando que estão sendo amaldiçoados só aqueles que estão nos bares, se reunindo com os amigos, rostinhos colados nas foto (e sem máscara!), churrasquinho, futebol? Não, colega. Até a MINHA quarentena é questionável. Para os que estão lá fora, tô de palhaçada aqui dentro. Para os que estão sofrendo o confinamento (e isso não é um deboche, porque sei exatamente o que é, seja lá qual for sua condição…perceba nossas vantagens e desvantagens, que não tornam uma vida mais difícil que a outra). Então, coleguinhas quarenteners, vamos parar agora mesmo com essas notinhas de repúdio a, seja lá o que for que o outro coleguinha te desagradou? Essa semana saí pra fazer uma tatuagem, com todos devidos cuidados. Ora, é extremamente necessário? É comida? É farmácia? É alguém passando mal? Não. Mas, 7X1 pra você que tá fazendo sexo e eu não.

Ahhhh, mas é diferente. Sim, é diferente. Gozar não dá, mas respirar, dá.


Sobre que assunto você gostaria de ler?

Obrigada pela sugestão, Biessa querida. Difícil falar de Quarentena sem ser/parecer repetitiva.


Lights of home

Querido Diário #60

Sabe, meu querido, minha mãe costuma contar a história de um antigo amigo da família, que uma vez disse sobre meu pai: “Se alguém me disser que Wagner comprou um avião, eu acredito”.

Não sei bem até onde nos parecemos, mas esse aí foi meu pai. Devo a ele a minha capacidade desenfreada de sonhar, e, certamente, sessões de terapias carregadas ao necessário, porque sonhar, meu caro, é para quem perdeu o juízo.

Certa vez, enquanto passávamos por uma fase dificílima, Marina, pequenina ainda, disse: “Mãe, cisma! Cisma, porque quando você cisma com uma coisa você faz!”. Conto-me essa história em tempos como esses, para que eu lembre que minha filha acredita (e sempre acredita!) que se eu cismar com um avião, a gente vai ter.

Não acredito tanto em mim quanto ela. Deveria, eu sei. Meus textos autoconfiantes são mais ensaios de um Clube da Luta, sabe como? Sabe, não? Rapaz, vai melhorar suas referências, senão a gente não conversa.

Confiança é uma péssima falta de companhia. Por não tê-la, o medo senta aqui ao meu ladinho todo santo dia. Mas, a coragem me enche de um foda-se enorme. E não é coragem com espadas, gritos de guerra, super poderes, foco, força e fé. Não. É perdida numa floresta à noite, com uma lanterna sem pilha, Bruxa de Blair. Vamos, Marina. Ela, olha para mim. Tá, com medo, mãe? Sem hesitar, Claro que não, garota. Eu, hein.

(Se essa porra dessa bruxa aparecer, fudeu.)

Há um pouco mais de um ano, cismei que eu odiava a casa onde morávamos. Desculpa, estou mentindo. Eu odiava os proprietários da casa, que não me davam paz o suficiente: “Engraçado…passei aqui em frente e vi um carro na garagem…você disse que não tinha carro. Comprou? É de alguém? Alugou a garagem? Engraçado…”. Engraçadão. Se eu continuar aqui mais um mês, eu vou morrer de rir.

Em três dias eu estava com uma nova chave nas mãos.

Mudei. Ou cismei? E, no embalo, fui trabalhar em outra escola, numa nova função. Não conhecia o lugar, as pessoas, e para falar a verdade, também não sabia nem o que fazer. Vida nova. Sensação linda de liberdade, livre arbítrio, poder de escolha etc. Mas, pensa aí na sua vida, e me diz quanto tempo leva para você estar numa porra de um labirinto com aquela lanterna sem pilha?

Que fique registrado que eu nunca esqueço as pilhas, e sempre tenho as de reserva. Mas, adivinha? Às vezes acho que livre arbítrio é my ass.

Meu pai era um cara sábio, que às vezes falava ou escrevia altas reflexões sobre a vida. No entanto, quando eu o procurava assim perdida, reflexiva, chorosa ele era simples, direto e numa serenidade de meses na Índia, dizia: “Manda todo mundo se fuder e larga essa porra toda pra lá.”.

O que descobri depois foi que toda essa sua segurança ao me incentivar a ser corajosa, destemida e jogar tudo para cima, era porque ele sabia que estava perto.

Não sei se um dia vou ter a pachorra de desejar um avião. Não sei quem acreditaria em mim. Mas, minha filha escolhe até a cor. Mesmo com minha enigmática lanterna sem pilhas.

Foto: Rafael Corrêa

Sobre que assunto você gostaria de ler?

Obrigada, Gabriela Lima, por se interessar em saber sobre o que tem se passado no meu coração.


Rocket Man

Querido Diário #59

Ora, ora, meu querido. Meu desabafo hoje é sobre o sentido da vida. Péra, ficaí, porque não pretendo divagar sobre frases feitas ou chegar à conclusão mais óbvia que qualquer romântico chegaria: aconteça o que acontecer, seja lá qual for a sua crença, o que dá sentido à vida é o amor.

Confesso que sou cristã, sou romântica e que realmente uso o amor para explicar nossa sobrevivência. Mas, o sentido da vida, de estarmos aqui amando, desamando, esquecendo, lamentando, sorrindo, chorando, não, não sei, infelizmente, para que serve tudo isso ou para onde tudo isso nos leva.

No entanto, nesse período de quarentena, essa questão nunca esteve tão em evidência. Arrisco-me em dizer que acordar tem sido um desafio diário. Há algo nefasto entre o abrir dos olhos e o breve vazio do levantar. A vida já foi bem mais dura conosco em outros momentos, sabemos disso. Mas, de repente, ela nunca pareceu tão sem sentido, enquanto hoje, nada parece mais importante do que poder respirar em liberdade. 

Talvez seja minha culpa, culpa sua, culpa do governo, culpa da ganância, culpa de Deus, culpa de Diabo. A gente coloca culpa onde quiser para tentar achar sentido em toda essa falta de ar que está nos asfixiando, mas, cá entre nós… com sinceridade, acho que não tenho nada com isso. Colocaram meu nome no meio.

Dizem que Deus tem planos. Dizem que escolhemos como será a nossa vida na Terra antes mesmo de nascermos. Dizem que há céu e inferno. Dizem que temos que ter fé, não importa o que aconteça, faz parte dos planos de Deus. Agradeça sempre, mesmo sem saber pelo quê. Dizem que o inferno é aqui. Dizem que tudo é consequência de vidas passadas. Mas, sinceramente, não lembro de ninguém ter me perguntado porra nenhuma. Minimamente, jamais escolheria perder um pai no auge dos seus 67 anos. Deixaria ele na minha vida até que a minha terminasse. Sem negociação. Teimoso do jeito que era, ele teria me dito “morro quando eu quiser…isso você não escolhe”. Bem, então eu não vou. Tô aqui de boa nesse lugar bacana…Vai você.

Bem… em “Nosso Lar” o lugar era bacana. Mesmo sem televisão

Já me perguntei se John Lennon, por exemplo, sabia o que estava fazendo aqui. Imortal e insubstituível para humanidade, sabe? Mas, eu? 

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Sobre que assunto você gostaria de ler?

Obrigada, Marco Túlio.

Que fique registrado que é uma honra. Talvez você também tenha dúvidas sobre o sentido da vida, mas, na minha, é felicidade que você traz.

Live and let die

Querido Diário #58

Ora, querido, pensei numa definição para o meu dia. Numa palavra resumida, acredito que foi, no mínimo, curioso.

Passei o dia me questionando sobre algumas posições que costumo tomar na vida. Já me culpei muito por ser isso ou aquilo. Mas, como diria Fábio Jr.: A gente é o que é. Por mais que várias vezes eu tenha sofrido por ser quem sou, preciso dizer que não vou mudar. Não por arrogância ou porque não aprendi com os erros. Eu simplesmente não consigo pintar o céu de outra cor.

Aprendo com alguns erros. Verdade. Reflito sobre minhas atitudes e até onde ela invade o espaço do outro. Não sou do tipo aceita que dói menos. Não. Ninguém é obrigado a me aceitar. Mas, se, por algum motivo, alguém é importante para mim, freio aquele eu que machuca o outro. E mesmo assim, muitas vezes não deu certo. E sempre achei que a culpa era minha. Completamente minha, porque absorvia toda culpa de qualquer relacionamento falido. Se eu fosse menos geniosa. Se eu fosse menos ansiosa. Se eu fosse menos qualquer outra coisa que eu sou, não teriam me deixado na chuva durante tanto tempo. Me deixaram lá, e depois de tanto tempo encharcada, eu saí. Sozinha.

Hoje eu me vi assim, super eu. Ansiosa, direta, sem vontade de esperar. E, como um filme, passaram algumas cenas fracassadas na minha cabeça. Não, as vitórias a gente não lembra, porque estão como troféus na estante. As derrotas a gente leva junto pra onde a gente vai, porque foram elas que nos deixaram sozinhas na chuva. A gente pensa em recuar, frear ou… ir devagar, não ir, parar, desistir, mudar.

Não sei se são esses 116 dias de quarentena, mas hoje, enquanto conversava com outro amigo sobre o meu dia, eu até me esforcei em me culpar, mas, não consegui. No meu discurso usei frases como “sei que faço essas coisas”, “sei que sou assim”, mas… eu estava no automático. Até sou adepta à procrastinação. Mas, felicidade, meu querido, eu não quero pra viagem. Então, por que tô botando a culpa em mim? O tempo do outro não é o mesmo que o meu, mas, nós, não adeptos à Terra plana, podemos muito bem discutir um tempo subjetivo, mas a ciência não me deixa mentir: o amanhã ainda não existe. Pra tudo mundo!

E isso não foi um insight momentâneo ou alguma injeção súbita de autoestima, amor próprio, positividade ou seja lá o que você queira chamar minha consciência.

Como diriam os sábios: Live and let die.

Querido Diário #57

Sabe, querido, tenho evitado falar sobre mim. Como assim tenho evitado se só falo de mim? Ora, falar de mim. MIMMM. Entendeu? Algo além desse show de horrores que virou esta quarentena.

Claro que tudo isso tem me afetado em vários níveis, de várias formas, de todos os ângulos. Tenho sonhado com um monte de gente que eu nem lembrava mais. Se meu inconsciente tentou me dar uma sabotada achando que eu teria saudade de alguém, se enganou. Acordaí com esse pepino… lembra de Fulano, Cicrano e Beltrano? Pois é, lembrei, mas nobody cares. E pelo visto é recíproco. Mas, quem precisa de um inconsciente sabotador, se conscientemente resolvi ler textos antigos, que serviram de gatilhos para algumas coisas que eu havia enterrado? Achou essa palavra pesada? ENTERRADO. Não é uma pagininha virada, né, gato? É alguma porra de algum sentimento fudido, que, provavelmente me trouxe sensação de MORTE. Morte lenta e horrível. Ok, provavelmente enterrei vivo o desgraçado que quebrou meu coração.

Esse meu vocabulário dramático vem de duas alternativas: drama, simplesmente. Ou uma coleção de filmes e séries criminais. Em minha defesa, tudo isso é metafórico, ok?

Eu tinha o hábito de escrever e postar o link de alguma música. Não, eu não estuprava os ouvidos de ninguém quando entravam nos meus textos. Era opcional. Aliás, que fique registrado nos autos que entrar em stories com música, se não é você tocando… Nop. Não entro no clima. Tá, mas isso tudo é pra dizer que além de ouvir aquelas músicas, eu também salvei na minha playlist.

Ora, ora, ora. Que semana CU.

Não tenho um pingo de classe.

Nem de juízo. Nem de autoestima. Nem de bom senso. Ah, mas foda-se. Se este texto sobreviver na internet por algumas centenas de anos, entenda que a ignorância foi o que nos matou. Não foi esse pequeno vírus inocente. Para se proteger dele, era só ficar em casa. Mas, para a ignorância, nem Jesus escapou dela, né? Quem sou eu na fila do pão, mermão?

Querido Diário #56

A rotina de quarentena aqui em casa não tem como fugir muito do roteiro. Nos dias de semana acordamos até, no máximo, 8h da manhã. Sem muitas palavras, cada uma se encaminha para sua função diária: Marina liga o computador para assistir aulas, e eu ligo outro para, resumindo, monitorar aulas. Abro a casa inteira para entrar ar de fora e luz. Entra barulho também. Vizinhos que revezam nas obras, cachorros latindo, o trânsito que consigo ouvir daqui e o movimento da minha rua. É o carro do pão, do ovo, do peixe.

No primeiro mês da quarentena me identifiquei com alguns filmes. Primeiro achei que estava na Matrix, depois achei que estava vivendo no “Show de Truman”, e, agora, há 109 dias fielmente em casa, sinto-me em “Os outros”.

Hoje desviei um pouco o roteiro. Logo após todo ritual da manhã, decidi não ligar meu computador. A dor de cabeça (lembra dela?) me permitiu voltar a deitar ainda cedo. Dormi. Acordei sem saber se era outro dia. Notei tudo aberto, a luz, o vento frio, mas… algo estava diferente: o silêncio. O único som era de um “Sino dos ventos” que tenho na varanda. Levantei. Fui à sala, e Marina estava deitada no sofá coberta por um edredom. Estava dormindo.

Talvez um anjo tenha passado por aqui.

Que filme pode ser esse?

Em algum momento a tecla play foi tocada novamente. Saímos do pause. É o carro do pão, é o carro do ovo, é o carro do peixe. Foi algo na Matrix? Será que estão mudando todo cenário lá fora? Ou descobri que Os outros somos nós? Não sei mais que filme é esse, mas quero sair dele.

Querido Diário #55

Ora, querido, há algum tempo não nos falamos, mas acredito que você me entende. Bem, alguém nessa vida tem que entender, porque tem sido difícil explicar qualquer 2+2 ultimamente. E esse mérito intelectual nem é só meu. Dias difíceis para quem vê o óbvio.

Durante todo esse tempo pensei em te atualizar com um monte de nada que aconteceu, e achei melhor evitar a fadiga. Eu bem poderia agir como qualquer pessoa do planeta: fazer um lindo discurso vazio. Ou um péssimo discurso vazio. Ou um discurso de ódio bem, bem vazio. Como decidi apertar o MUTE, fiz isso por você também. Quem sabe, o vazio pro outro sou eu, não é mesmo?

Lembra daquela dor de cabeça que me atormenta? Aquela que ainda não entendi o critério para aparecer. Ela tá aqui, e minha filha está com o som nas alturas. Poderia usar toda minha autoridade e poder de mãe, e mandá-la abaixar a porra do som… Mas, até para ter autoridade a gente tem que saber o momento. Tenho esses minutos de sabedoria às vezes.

Tô muito cansada. Faz tempo. Mas, antes eu podia responder em liberdade, né?

Volto amanhã, tá? Hoje vim te dar um oizinho, afinal, estamos aqui em um novo lugar. O que achei meu por aí, coloquei aqui como um arquivo. Aliás, acho que devemos falar sobre ele um outro dia.

A gente podia combinar de parar de mudar tantas vezes de lugar para conversar. Mas, primeiro a gente precisa voltar a ter assunto. Acho que assim como me afastei de tantas situações, também me afastei de você.

A menininha

Desde que entrara na rua uma menininha lhe chamou atenção.
Ela era loirinha, pequenininha…sentada na calçada olhando fixamente para um terreno cheio de entulhos. Ela chorava segurando sua boneca. Ele então para e pergunta:

– O que você está fazendo aqui sozinha, mocinha? E por que está chorando?
– Moço, cadê a minha casa?
– Onde é a sua casa?
– É ali. – apontando para o terreno.
– Você deve estar enganada… Ali não tem casa alguma … É só um terreno cheio de entulhos… Como você veio parar aqui?
– Não, moço… É a minha casa… Cadê a minha mãe?
– Qual o seu nome?
– Cadê a minha casa, moço? Cadê a minha mãe? Por que tá tudo vazio? Por que eu não to ouvindo meu cachorro? Eu juro que minha casa é ali, moço…chama a minha mãe…chama, moço…
– Vamos ali… vou te dar um copo d´água, você se acalma e me diz o nome da sua mãe pra gente chamar ela pra vir te buscar…ok?
– Vou ficar aqui esperando minha casa voltar.
– Vou buscar a água para você…

Na volta, a menininha não estava mais ali. Achou estranho… Há tantos anos morava naquela rua, e só prestava atenção naquele velho terreno quando a prefeitura acordava toda vizinhança com seu caminhão de lixo, tentando dar um jeito nos entulhos, onde havia uma placa grande escrita “proibido jogar lixo”.

Os dias se passaram, e era inevitável não lembrar daquela menininha misteriosa chorando em frente àquele terreno abandonado.

Um dia a placa estava no chão, e o terreno todo limpo. Disseram que um supermercado famoso seria construído no local. O homem resolveu entrar para que, depois de alguns anos, pudesse contar aos seus amigos, com aquele ar pomposo, histórias do tempo onde “esse supermercado ainda era só um terreno abandonado.”.

Antes de sair, notou que no grande muro, todo sujo ainda, havia alguns desenhos. Teria sido uma escola infantil, ele pensou. Chegou mais de perto, e pôde ler “papai e mamãe te amam”.

O homem nunca entendeu essa história. Nunca mais soube da menina ou o que havia ali.

O supermercado não foi construído. Aproveitaram o espaço e fizeram um enorme estacionamento rotativo.

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Texto originalmente escrito para o blog Amor Crônico, em 08/04/2014.