Lights of home

Querido Diário #60

Sabe, meu querido, minha mãe costuma contar a história de um antigo amigo da família, que uma vez disse sobre meu pai: “Se alguém me disser que Wagner comprou um avião, eu acredito”.

Não sei bem até onde nos parecemos, mas esse aí foi meu pai. Devo a ele a minha capacidade desenfreada de sonhar, e, certamente, sessões de terapias carregadas ao necessário, porque sonhar, meu caro, é para quem perdeu o juízo.

Certa vez, enquanto passávamos por uma fase dificílima, Marina, pequenina ainda, disse: “Mãe, cisma! Cisma, porque quando você cisma com uma coisa você faz!”. Conto-me essa história em tempos como esses, para que eu lembre que minha filha acredita (e sempre acredita!) que se eu cismar com um avião, a gente vai ter.

Não acredito tanto em mim quanto ela. Deveria, eu sei. Meus textos autoconfiantes são mais ensaios de um Clube da Luta, sabe como? Sabe, não? Rapaz, vai melhorar suas referências, senão a gente não conversa.

Confiança é uma péssima falta de companhia. Por não tê-la, o medo senta aqui ao meu ladinho todo santo dia. Mas, a coragem me enche de um foda-se enorme. E não é coragem com espadas, gritos de guerra, super poderes, foco, força e fé. Não. É perdida numa floresta à noite, com uma lanterna sem pilha, Bruxa de Blair. Vamos, Marina. Ela, olha para mim. Tá, com medo, mãe? Sem hesitar, Claro que não, garota. Eu, hein.

(Se essa porra dessa bruxa aparecer, fudeu.)

Há um pouco mais de um ano, cismei que eu odiava a casa onde morávamos. Desculpa, estou mentindo. Eu odiava os proprietários da casa, que não me davam paz o suficiente: “Engraçado…passei aqui em frente e vi um carro na garagem…você disse que não tinha carro. Comprou? É de alguém? Alugou a garagem? Engraçado…”. Engraçadão. Se eu continuar aqui mais um mês, eu vou morrer de rir.

Em três dias eu estava com uma nova chave nas mãos.

Mudei. Ou cismei? E, no embalo, fui trabalhar em outra escola, numa nova função. Não conhecia o lugar, as pessoas, e para falar a verdade, também não sabia nem o que fazer. Vida nova. Sensação linda de liberdade, livre arbítrio, poder de escolha etc. Mas, pensa aí na sua vida, e me diz quanto tempo leva para você estar numa porra de um labirinto com aquela lanterna sem pilha?

Que fique registrado que eu nunca esqueço as pilhas, e sempre tenho as de reserva. Mas, adivinha? Às vezes acho que livre arbítrio é my ass.

Meu pai era um cara sábio, que às vezes falava ou escrevia altas reflexões sobre a vida. No entanto, quando eu o procurava assim perdida, reflexiva, chorosa ele era simples, direto e numa serenidade de meses na Índia, dizia: “Manda todo mundo se fuder e larga essa porra toda pra lá.”.

O que descobri depois foi que toda essa sua segurança ao me incentivar a ser corajosa, destemida e jogar tudo para cima, era porque ele sabia que estava perto.

Não sei se um dia vou ter a pachorra de desejar um avião. Não sei quem acreditaria em mim. Mas, minha filha escolhe até a cor. Mesmo com minha enigmática lanterna sem pilhas.

Foto: Rafael Corrêa

Sobre que assunto você gostaria de ler?

Obrigada, Gabriela Lima, por se interessar em saber sobre o que tem se passado no meu coração.


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