Querido Diário #56

A rotina de quarentena aqui em casa não tem como fugir muito do roteiro. Nos dias de semana acordamos até, no máximo, 8h da manhã. Sem muitas palavras, cada uma se encaminha para sua função diária: Marina liga o computador para assistir aulas, e eu ligo outro para, resumindo, monitorar aulas. Abro a casa inteira para entrar ar de fora e luz. Entra barulho também. Vizinhos que revezam nas obras, cachorros latindo, o trânsito que consigo ouvir daqui e o movimento da minha rua. É o carro do pão, do ovo, do peixe.

No primeiro mês da quarentena me identifiquei com alguns filmes. Primeiro achei que estava na Matrix, depois achei que estava vivendo no “Show de Truman”, e, agora, há 109 dias fielmente em casa, sinto-me em “Os outros”.

Hoje desviei um pouco o roteiro. Logo após todo ritual da manhã, decidi não ligar meu computador. A dor de cabeça (lembra dela?) me permitiu voltar a deitar ainda cedo. Dormi. Acordei sem saber se era outro dia. Notei tudo aberto, a luz, o vento frio, mas… algo estava diferente: o silêncio. O único som era de um “Sino dos ventos” que tenho na varanda. Levantei. Fui à sala, e Marina estava deitada no sofá coberta por um edredom. Estava dormindo.

Talvez um anjo tenha passado por aqui.

Que filme pode ser esse?

Em algum momento a tecla play foi tocada novamente. Saímos do pause. É o carro do pão, é o carro do ovo, é o carro do peixe. Foi algo na Matrix? Será que estão mudando todo cenário lá fora? Ou descobri que Os outros somos nós? Não sei mais que filme é esse, mas quero sair dele.

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